segunda-feira, 30 de junho de 2008

Crítica - Espetáculo : A forma das coisas

Embora todos saibamos que ninguém muda ninguém, ao menos em sua essência, resta a possibilidade de se alterar a aparência. E é o que Evelyn faz com Adam: pouco a pouco, a estudante de artes transforma o guarda do museu da faculdade, com quem inicia um namoro, em outra pessoa, supostamente melhor e mais atraente. E tal transformação acaba gerando conseqüências em Johnny e Diana, amigos de Adam. Mas estaria Evelyn sendo movida apenas pelo salutar desejo de ajudar alguém ou algo completamente inesperado estaria por trás de suas ações?
Lamentavelmente, tal pergunta não pode ser aqui respondida, pois isso privaria a platéia de uma surpresa desconcertante. Seja como for, no parágrafo acima está resumido, ao menos em sua aparência, o enredo de "A forma das coisas", do norte-americano Neil Labute. Em cartaz no Espaço Sesc, a montagem chega à cena com direção de Guilherme Leme e elenco formado por Pedro Osório, Carol Portes, André Cursino e Karla Dalvi.
O que nos parece mais extraordinário no presente texto é a compreensão que temos do mesmo em função de seu desfecho. Não fora ele, tudo se resumiria a uma história corriqueira, ainda que estruturada de forma interessante e habitada por personagens bem construídos. Mas seu final nos obriga a empreender uma série de reflexões, da maior pertinência, sobre o mundo em que vivemos.
Com relação ao espetáculo, Guilherme Leme impõe à cena uma dinâmica ágil, criativa e sofisticada, precisa no tocante ao ritmo e capaz de valorizar todos os conteúdos propostos pelo autor. Além disso, Leme consegue extrair ótimas atuações do elenco. Na pele de Evelyn, Carol Portes exibe carisma, forte presença cênica e notável capacidade de explorar todas as facetas de sua complexa personagem. A mesma e brilhante eficiência se faz presente na atuação de Pedro Osório, que expõe com precisão cirúrgica a "evolução" de seu personagem. Karla Dalvi também convence plenamente como a jovem ingênua, reprimida e submissa, com André Cursino conseguindo extrair o máximo de um papel mais limitado do que os demais.
Na equipe técnica, o grande destaque vai para a cenografia de Aurora Campos, composta de quatro pilastras brancas que, no decorrer da montagem, vão formando múltiplos ambientes, transformando a cena à medida que os personagens se transformam. Mas são também de altíssimo nível a luz de Maneco Quinderé, a tradução de Marcos Ribas de Faria, os figurinos de Sonia Soares e Tatiana Brescia, a trilha sonora de Marcelo H. e a preparação corporal de Marcos Damico, fundamentais para o êxito deste espetáculo simplesmente imperdível.